TeArte
Contos e Crônicas
Jô Drumond
Herdei de minha mãe o gosto por tessituras. Diante dela, junto ao tear, meus olhos infantis observavam horas a fio uma infinidade de meadas policromáticas. Tunica entretinha-se, silenciosa e meticulosamente, entretecendo formas e matizes. Distraída, entre a trama e a urdidura, criava abstrações geométricas ao sabor das horas. Interpunham-se tempo e antitempo; esvaía-se a noção temporal. Tal e qual Tunica, por herança benigna, mergulho em tessituras e perco-me no desvão do tempo. Não mais diante do tear, mas diante do visor do computador. Fios e cores cedem lugar a sintagmas e a lexemas. Letra por letra, palavra por palavra, frase por frase, prossigo prazerosamente a urdidura verbal. Minha mãe já se tornou etérea, há algumas décadas. No entanto, suas tessituras, ainda em cores vivas, decoram nossos lares. Fugaz passageira do mundo, qual névoa fátua, dissipar-me-ei também no vácuo universal. Nossas tramas textuais, sejam elas imagéticas ou verbais, são pingos de eternidade. Quando eu me for, meus escritos, publicados ou não, permanecerão. Subsistirei também por meio da metonímia genética, nos filhos, netos, bisnetos, trinetos, tetranetos... que perpetuarão o legado de minha existência. Essa será minha tênue vingança contra a inexorabilidade do tempo.
Jô Drumond